quinta-feira, novembro 18, 2004

Confissões de Um Revolucionário




Palavras Soltas

De Poesia não percebo nada, de Música ainda menos, mas se todas as coisas têm o seu mistério, a Poesia é o mistério de todas as coisas.
Roubei uns beats aqui e ali, produzi algumas coisas de forma artesanal ( os recursos eram poucos), os amigos ajudaram-me com as cópias e a fazer a capa, ainda andamos para ai a colar cartazes, tudo manualmente, a lembrar esses panfletos que para ai surgem nas manifs. A verdade é que a minha maquete, e estou a ser presunçoso ao chamar-lhe maquete, ofendendo as verdadeiras maquetes, saiu à venda nas lojas, mais precisamente em duas, não queria ganhar nada com aquilo, e também não ganhei, " o meu CD vendeu 2 exemplares e 1 fui eu", precisava de explodir de alguma forma esta raiva que me consome, "por aqueles que nunca ninguém ouviu", por muito que a qualidade fosse fraca, eram palavras sentidas, era a revolta, a contestação. Alguns até me podem chamar reaccionário, mas o que me faz confusão é essa inércia dos mais jovens, daqueles que têm uma palavra no futuro deste país, agrilhoados a internets e vidas fáceis, não sou exemplo para ninguém, nem pretendo ser, mas gostava de vos ver a marcar a vossa/nossa posição. Porque da Palavra a Acção tudo se perde...
Posted by Hello

Personalidade do Mês de Novembro



Aqueles que nunca ninguém viu

Nasceu em 1919 no pós I Grande Guerra no ano em que é criada a Sociedade das Nações e assinado o Tratado de Versalhes, filha de uma família pobre, teve 6 irmãos que o surto de gripe pneumónica que afectou todo o país tratou de dizimar (estimam-se em mais de 100 mil o número de vítimas mortais entre 1918 e 1919), teve ainda outra irmã anos mais tarde.

O seu pai, severo e disciplinado, como mandava a tradição da época, estabelecia a ligação de mercadorias entre as duas margem do Tejo, juntamente com o seu irmão, que mais tarde num desentendimento, acabaria por assassinar acidentalmente.
A sua mãe conheceu as dificuldades da época e a escassez de recursos, natural da Murtosa, vendia peixe porta a porta à boa maneira do bairro da Madragoa, onde habitava.


Aos 11 anos viu-se forçada a acompanhar a sua mãe na venda do peixe pelas ruas do Bairro Alto, eram tempos difíceis e de grande instabilidade, Portugal mergulhado numa crise social e política que até 1926, fez com que doze dos vinte e seis ministérios fossem presididos por militares.


O naufrágio da embarcação do seu pai e a morte do seu respectivo ajudante leva a que este abandone a actividade com grande desgosto e amargura, facto esse que o mergulhou numa profunda depressão que o acompanhou até às horas da morte. Este episódio agrava ainda mais a sua situação financeira e os encargos familiares são cada vez menos suportáveis.

Aos 21 anos casa com um natural de Ovar, que filho de uma família de cinco irmãos, viu-se forçado a partir de Ovar aos 6 anos à boleia, para em Lisboa procurar a sua sorte, inexperiente e analfabeto, é com dificuldade que arranja trabalho, chega mesmo a ser militar e a mostrar intenções de integrar o corpo de milícias portuguesas, os Viriatos, para intervir ao lado dos Nacionalistas na guerra civil espanhola. Acabou por se empregar nos Caminhos de Ferro onde permaneceu até à reforma, teve vários problemas com a PIDE, tendo mesmo numa ocasião, estado envolvido em confronto directo com dois agentes.
Casa em 1940, ano em que estala a II Grande Guerra. Em 1942 têm a primeira filha, ano em que é construído o primeiro computador electrónico.


Em 1944, ano em que a 6 de Junho as tropas aliadas desembarcam na Normandia e dão início à libertação francesa, nasce a segunda filha.
As condições de vida são difíceis, vivem junto com a família da sua irmã, na mesma casa da Madragoa, onde sempre habitaram, casa essa sem casa de banho e com duas pequenas assoalhadas, é partilhada por 10 pessoas.

No ano em que fazem 10 anos de casados, inicia-se a Guerra da Coreia e os EUA fazem explodir a sua 1ª bomba de Hidrogénio no Pacífico.
Em 1965 é assassinado Malcom X, dirigente negro muçulmano, e em 1968 é também assassinado Martin Luther King, dirigente negro americano da luta pelos direitos civis.


Em 1969, já com 50 anos assiste (embora nunca acreditando no facto) à chegada de Neil Armstrong e Edwin Aldrin à lua. No ano seguinte é inaugurada a EXPO 70, em Ósaca no Japão, e noutra parte do mundo, um tremor de terra no Peru, tira a vida 70 000 pessoas.

Já em 1974, vivendo as dificuldades da época, num país "orgulhosamente só", vendia peixe na Praça da Ribeira,(adquirido na Doca Pesca de Lisboa), e assistiu a 25 de Abril de 1974 a uma insurreição militar que acabaria com o regime ditatorial e estabeleceria as bases da actual democracia portuguesa. Todavia a revolução de Abril passou-lhe ao lado e pouco a conheceu ou se identificou com ela.

Em 1978, nasce o seu terceiro neto, ano em que a marca americana Chrysler anuncia a venda das sua fábricas europeias à Peugeot- Citroen francesa e o Papa João Paulo I morre, depois de apenas 33 dias como papa. No ano seguinte nasce o seu 4 neto, no ano em que Margaret Thatcher se torna a 1ª mulher com o cargo de primeiro-ministro na Grã-Bretanha.

Já em 1983, nasce o seu último neto, no ano em que o Presidente Reagan lança a Iniciativa de Defesa Estratégica, que ficou apelidada como a Guerra das Estrelas, e no mesmo ano em que a 22 de Setembro, um comboio de passageiro bate o recorde de velocidade em França, fazendo a viagem entre Paris e Lião, em duas horas, a uma velocidade média de 212 km/h.

Em 1995 morre o seu marido, companheiro de longa data, o que a deixa abatida, nesse mesmo ano morre a sua filha mais velha e o genro da filha mais nova.

Em 11 de Setembro de 2001, assiste ao desvio de um avião civil, por terroristas, que viria a embater num dos maiores símbolos dos USA, e maior símbolo de New York, o World Trade Center, fazendo no momento centenas de vítimas. Volvidos alguns minutos um outro avião civil embate na outra torre do WTC fazendo prever a catástrofe que iria suceder: o desmoronamento das duas torres, e a morte de mais de 5.000 pessoas.

Em 2003 já com 84 anos e acamada em evidente debilidade física, mantendo sempre presente todas as suas vivências e satisfação em partilha-las, acaba por falecer.
Perdeu-se assim uma vida que atravessou vários períodos da história nacional e internacional, um poço de experiências vividas na 1ª pessoa e que fornecem um legado essencial às gerações vindouras. Poderia ser esta a biografia de uma personalidade qualquer que de alguma forma tivesse inscrito o seu nome na galeria imortal da história, mas é todavia a história de um cidadão comum, de mais uma pessoa a quem o anonimato prestou homenagem, mas lembrando sempre que a história não é só feita por personalidades distintas mas por muitas outras pessoas que embora importantes, não vêem o seu papel reconhecido, (terá Vasco da Gama descoberto sozinho o caminho marítimo para a Índia?) são para todas essas pessoas que deixo a minha mais profunda homenagem.

Nelson Ventura

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